Tuesday, February 16, 2010

Valvula de Escape


Lavo os dentes de manhã
aurora exercício matinal
sorrio para mim no espelho vida sã
amargas notícias no jornal
jogo água fria no rosto
fico desperto ligado
sopro café quente solúvel granulado
Nana no quarto lê um livro de Assis
viajar é preciso e foi o que sempre quis
apresso passos largos ruas me engolem
me devoram como noites clandestinas
mergulho de ponta cabeça no cloro azul piscina
de tua vagina
andar por aí em quebradas
será registrada em cinema minha sina
uma luz de um astro no espaço
me aponta me ilumina
canção de Jobim me faz esquecer de tudo
e te ligar na hora
coisas passadas a limpo
bate tudo ao mesmo tempo agora
escolho pessoas erradas errantes errôneas para amar
paixões sem rotas como meteoros que caem perdidos no mar
mas teu beijo me faz rodopiar a cabeça
e dar a volta no mundo sem sair do lugar

recife, 2000

gamma

Monday, February 15, 2010

Linda Maria


O poeta amava Maria
E o mesmo sempre dizia
Com ela eu me casaria!
E certo dia
Mostrou seu caderno de poesia
E de uma vez
ele a conquistaria
Mas que pena...
O poeta nem sabia
Que linda Maria
Não sabia ler
recife 1996
gamma

Insônia


A música da noite
São os barulhos noturnos
O rasgado da coruja
O canto dos morcegos
O canto dos grilos
O barulho suave do lápis
Projetando a poesia
Que arranha o silencio
(o silencio feroz)
E a sutileza dessa sinfonia noturna
Me faz...
Dormir.
olinda 1994
gamma

Noite no brejo


Noite!
Astros no espaço
Satélite risca o céu com toda velocidade
Noite, desce graciosa e leitosa
De estrelinhas luzindo
Que são gigantescas bolas de fogo
E os grilos cantam
Uma repetitiva sinfonia
Eles cantam!
Cantar e preciso
Ai da noite se os grilos não cantassem mais
Mas os sapos também cantam, só que em tenor!
E fica essa bela rivalidade sinfônica
E eu, publico singular, do espetáculo do brejo!
E os vagalumes imitam o piscar dos astros no espaço
As estrelas podem até reclamar direitos autorais
Mas luzir é preciso!
Seres iluminados na escuridão
Pirilampos!
E coitada da noite se suas luzes verdes apagassem!
E eu aqui estirado
Esquecido do mundo
Nesse imenso gramado
Ouvindo a sinfonia dos grilos, dos sapos...
Piscar cintilante dos astros
E o luzir dos vagalumes
Eu e a noite brejeira
Se morresse hoje, agora
Morreria feliz!
sitio sossego 1997
gamma

Coleção


Em cada bairro uma namorada
Seu corpo se divide geograficamente
Em quantidades de bairros existentes
Na metrópole
As mais bonitas
Na Madalena
Boa vista
e Bairro Novo
As mais formosas
No morro da Conceição
E no alto Santa Terezinha
Mas também tem namoradas
Em Dois Irmãos
Dois Unidos
e San Martins
Tem uma namorada separada
Mal amada
Infeliz
E solitária
Mas porem rica e bonita em Boa Viagem.
E uma com um filho que o chama de tio em Piedade.
Cada noite seu esporte, sua faculdade
É visitar uma namorada
Cada uma tem o seu dia
E tem as cobranças
As desconfianças
E sonho de todas elas
Com uma aliança
E o peso...
O grande peso
Em sua consciência
Consciência de poeta!?
Atos que não cabem no poema!
Sua cabeça pesa toneladas
Toneladas de amor canalha
De mentiras
Duvidas
Medo
Remorso
E arrependimento.
Dia dos namorados
Esse homem prepara uma carta
Xeroca na quantidade de bairros existentes na cidade
Assina e manda a mesma carta para todas elas, a mesma carta...
com toda essa obsessão
sua orgulhosa coleção.
recife 1999
gamma
inspirado em poema de Drummond

Razão de produção


Estou aqui
Preparado para ti
Sentado na poltrona
ou estirado na rede
Aguardando ansioso
O seu telefonema
Frases sobem a tona
De meu pensamento
Transbordado em poema
Mas...
Estou aqui
Preparado para ti
Barba feita
Roupa de domingo
Perfume francês
E as frases de efeito
Decoradas
Abafadas no peito
Dentro de meu plano mais perfeito
Pra te conquistar de uma só vez!
Em uma jogada de mestre
Um xeque-mate
Com astucia e arte
Mas por enquanto
Aqui estou
Ansioso
Aguardando o seu telefonema
E vou varar a noite
A madrugada
O outro dia
E o dia seguinte
A semana
O mês
A década
E o século
Armazenado nesse dilema
Aguardando o seu telefonema
Ah! E eu que tenho tantos, tantos problemas...
Mas uma coisa é certa
Terei produzido muitos,
Muitos poemas.
olinda 2001
gamma

O mar


Quem é o dono do mar?
Os argonautas?
As sereias
Iemanjá?
Poseidon?
Ou os piratas?
Imenso mar revolto
De frente para o mar
Prometo não morrer por amar
Meu coração insano
Navega mar adentro
submerso no oceano
Assim como meu pensamento
Sal do mar, maresia que flutua no vento
E come o ferro de meu peito
E de quem é o mar
Dos surfistas
Dos marinheiros
Dos pescadores
Dos banhistas
O mar é seu meu amor
Te dou de presente
Pode ir lá buscá-lo
Embrulhar e guardar
Além de outras coisas
Tem cavalos marinhos, perolas
Gaivotas voando baixo
e navios enferrujados em sua profundidade
Dizem que tem lindas sereias também
Mas...
Mergulho
Entre sargaços e entulhos
E o mar bravio acalma
Porque leva você pra longe de minh alma
olinda, 1995
Gamma

O pasto


O pasto verde
Tão verde
Quanto a esperança

O pasto lindo
Mato verde
Das chuvas de abril
Campinas verdes de meu Brasil
Verde pasto verde
Verde vivo!
Que cobre os campos
E as serras
Verde delirante!
Meus dias verdes da cor do pasto!

Ah! Tão lindo o pasto
Tão verde
Que tenho vontade
De sair pastando.

sitio vida mansa 10.07.1996
Gamma
estava viajando com meu avô Ives , eu marcava meus 16 anos de vida, e ao subir a serra das russas, no agreste pernambucano, ao olhar o pasto ele disse: o pasto é tão bonito que dá vontade de sair pastando! esse poema é pra você vovô Ives, seja onde estiver agora!

Espera de mãe


A mãe que espera
o filho chegar
a noite é longa!
Um tio seco de revolver
Acorda de supetão
Calma!
Só foi um pesadelo
Meu filho!?
Ele ainda não chegou
A mãe espera...
E desce pela madrugada, a esperar, esperar...
O filho que não chega!
A TV acesa
Cigarros...
Passos circulares na sala
Outro cigarro...
Cochilos no sofá
Vigília noturna!
Um carro entrando em colisão com um poste!
Calma...
Só mais um pesadelo
O coração bate
Diminui
A madrugada está devorando seu filho
Duas, três, quatro... da manhã!
O relógio tiquetaqueando a noite!
A mãe desaba no sofá
Dorme sentinela noturna!
A luz solar invade a sala sem pedir licença
Sala de espera!
E já são nove da manhã
O filho não chegou
Ah! Deve te saído dos braços da noite
Para estar nos braços de uma mulher!
E que provávelmente não é mãe.
Mas restam
As delegacias
Os hospitais
E depois... O pior...
Os necrotérios!
Calma dama da noite de espera
O relógio irônico badala apenas as seis!
Só foi mais um pesadelo!
Barulho da chave
Rodando na fechadura!
É ele!
O seu príncipe! O mocinho das noitadas insanas!
O capitão da noite!
Entra cambaleando, enfadado de noite
Fedendo a noite
Infestado de noite
Com a cara da noite
Marcada de noite
E com olhar da noite...
Bom dia... mãe!
As mães têm ódio da noite!
A noite quer engolir, devorar seus filhos
A noite, não tem pena das mães.

recife 2001
Gamma

Ontem...


Hoje não fui trabalhar
Tô nem ai se for demitido
Hoje nem acordei
Não escovei os dentes
Não tomei meu café
E nem almocei
E também não vou jantar
Pois não vou me levantar nunca mais da cama!
Ah! A noite foi tão boa
Fui engatiando até você igual bebê
E me esparramei em teus braços
Os beijos foram tão sábios
E o roçar de língua no corpo, detalhado
Mas são apenas seis da manhã
Ossos no oficio!
O relógio de ponto
O patrão nosso de cada dia
A pasta de dente
Meu café com torradas na mesa
Meia, seda, gravata...
Passos largos apressados
Transito, buzinas, manchete de jornal nos sinais
Mas te juro, quase não me levantei...
Tava nem ai se fosse demitido!
Pois a noite... Ah! A noite...
Os beijos
Teu cheiro
Teus pelos...
Ah! Deixa pra lá!
recife 2001
gamma

Espera


Eu te espero
Sem cansar
Sem cessar
Te espero em qualquer lugar
E não morro de esperar
A qualquer momento
Sei que vais ligar
Sei que vais chegar
No vento
No mar
Na chuva
Ou até mesmo numa curva
Pois te espero a tantos anos
Que perdi as contas
E as malas estão sempre prontas
Só aguardando esse momento
Meu coração está sempre atento
A cada sinal, toque, pressentimento...
Há anos e anos
Que habitas meu pensamento
E eu
Te espero
E quase
Que me desespero
Espero por ti
Em um cais de porto
Em salas de espera
Na plataforma do aeroporto
E dizem até que de tanto esperar
Já estou morto
Mas te espero mesmo!
É o que me deixa vivo por dentro
É a espera desesperada por esse momento
Passa verão
Inverno
Outono
Fico como um cão
Esperando seu dono no portão
E muitas vezes me escapa o sono
As malas estão até prontas
Estão prontas a vinte e cinco anos
Eu já nem tenho traçado planos
Pois eles só tem sentido ao seu lado
Zombam de mim e fico calado
Compreendo que é uma espera absurda
E já nem canto...
Sou ave muda
Mas isso é mesmo a vida
Esta tudo pronto para sua chegada
Ou para minha ida
O telefone irônico
A qualquer momento pode tocar
Ou do nada ouvir
O som do seu andar.
recife 10.11.2005
Gamma

Garotos Feios


O destino nos arrasta pelos cabelos
Pobres garotos feios
Feios de da dó!
Deus não teve compaixão
Garotos feios não servem para lindas donzelas
Garotos feios não chegam de cavalo, nem de carruagem
Garotos feios
Não são príncipes, nem mocinho de cinema
Garotos feios
São apedrejados em praça publica
E os garotos feios sonham, sonham...
Em ser o belo burguês de porre nos bailes
O artista de teatro de olhos azuis
Sonham com aquela garota linda da carruagem
Garotos feios não são notados nas festas
Mas os garotos feios também amam!
E sofrem!
Garotos feios também têm coração
E as vezes são até poetas
Pobres garotos feios
Ninguém quer dançar com os garotos feios
Que ódio mortal do espelho cruel e sincero!
Garotos feios namoram a solidão
Sozinho no leito das areias do mar
Não se precipite as águas salgadas...
Salgando mais o mar com tuas lágrimas
Pasmem! Não se mate!
Por Deus não!
Deus será mais cruel ainda com você.
Deixe apenas a onda do mar beijar teus pés, garoto feio...
E dorme...
Vai, dorme!
Dorme um pouco...
Descansa a tua feiúra!

olinda 12.06.1999
Gamma

Thursday, February 11, 2010

Lenta noite


Essa noite
Larga lenta e longa...
O silencio que deixa quase surdo
A TV me desliga do mundo
Tecnologia de anti-solidão: a TV...
A noite parece nunca mais terminar
Pílulas que faz dormir já não há
Se o Eterno não houvesse inventado suas leis anti-suicidas
Ingeria um frasco inteiro
De pílulas pra dormir
Dormir para sempre...
Ouço o constante barulho da gota d água a pingar na pia
A pingar, pingar, pingar...
Gota a gota na minha insônia
E parece inundar o corredor, a sala, a biblioteca...
Inundar toda casa, a cidade, o continente, o planeta...
Ouço o tossir longe de uma criança
Que esta ardendo em febre
A febre de meus dias perdidos
E parece só existir essa criança no mundo
A tossir, tossir, tossir...
E nessa noite
Parece existir só eu no mundo
Acordado, acordado...

Recife 12.05.1998

Gamma

LATINOS


Latinos,
Homens latinos
Ganham o mundo
Aventureiro clandestino
Meu sangue azul nobre latino
Estrada a vagar sol a pino

Costeletas, cavanhaques
Meu estilo latino
Dialetos europeus
Latinos
Metrópoles caóticas, latinas
Garotas mestiças, latinas
Iguarias nos States, latinas
E o produto industrial, latino
E o contrabando, latino
E a coca, latina
E minhas longas noites, latinas
E os heróis a lá Guevara, latinos
E as históricas revoluções, latinas
E o capitalismo explorador, latino
E o anti-americanismo, latino
E minha ginga e malandragem, latina.

Latino americano
Meu coração nômade insano
Meu espírito alado profano
Arquiteta um novo plano
De cruzar o oceano.
recife 11.04.1999

Gamma

Esse coração...


Essa coisa que bate dentro de mim
Entre meu peito
Bate sem cessar
Funcionando no seu leito
Bate como relógio
Em um compasso perfeito
Como tambor silencioso
De noite quando me deito

Esse pedaço de carne que bate
Sem o meu consentimento
Bate louco sem parar a todo momento
Bate descompassado quando vejo você
Como maquina doida que acaba de enlouquecer

Esse troço que bate sem parar
Ordeno que pare de se apaixonar
Quero que pare de bater agora!
E meu corpo apagar, desse mundo ir embora!
Mas meu coração é do tamanho desse mundo.
Cada aventura mergulha sempre fundo
Essa coisa que bate dentro de mim
Entre meus pulmões e peito
Que me faz um pouco homem feito
Imperfeito!

É o meu coração que sempre arrasa minha razão
É o meu coração absoluto de minha emoção
Que bate louco sem direção.
Chã Grande 13.12.1996
Gamma

Balada do Rio Negro

Hoje é um dia triste
Céu nublado...
Acordei desolada, afobada...
Cansada de te ganhar e perder.
Aqui chove todo dia...
Essa chuva me acalma
Mas enerva meu lado B
Lá fora é só a chuva...
Dentro de mim a tempestade.
Vou até o rio negro
Admirar suas águas escuras da cor do petróleo
Suas águas negras dar cor de minhas lágrimas.
O porto de Manaus,
onde se tem lições de partida...
Distrai-me um pouco.
Meu pensamento mergulha rios adentro e vai até você.
O rio negro é triste...
Eu sei que ele é triste!
Gigante rio melancólico
Triste como eu.
O rio negro mostra-me indignado o seu lixo industrial...
E o que me importa o rio?
Já perdi você, e nada mais tem graça...
Respiro fundo...
respiro o iodo do rio negro
pra acalmar minh alma.
O rio tenta me consolar,
com o seu vento forte secando minhas lágrimas.
Hoje é um dia triste...
Sinto inveja dos vôos dos pássaros
dos botos
são tão livres...
Mais livres que meu pensamento
Que esta preso...
Preso a você.
Fecho os olhos e sinto vontade de sumir
Virar boto...
ou uma elegante arpia,
a voar sem rumo e direção...
Voar por céus distantes.
O rio negro com suas águas profundas
me convida para misteriosas dimensões
convida-me sensual,
a me jogar,
a ser levada para outro mundo...
Mundo desconhecido e misterioso!
O rio tem pena de mim?
Ao menos, admirar suas águas escuras
me acalma um pouco mais.
O movimento do porto...
Navios partindo, chegando...
O rio negro não vai trazer você de volta
Mais fácil seria me deixar levar em sua correnteza
para longe, longe...
Distante de eu mesma...
Mas de que adianta fugir,
se você está dentro de mim?
Você está submerso dentro de mim!
Mergulhado na profundidade desse rio negro
que carrego comigo
Esse rio escuro,
frio,
que deságua no teu mar...
no teu mar
no mar
teu mar...

Manaus 10.11.2007
Gamma